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Um pouco da história do punk no Brasil
Texto: George H. Ferreira
Fotos: Mateus Mondini
publicado originalmente na DOLL (Japão) Nº244
11/2007

Crescer em um pais como o Brasil durante os anos 70 não era mole. Passava-se por um dos momentos políticos mais tensos da nossa historia, a ditadura militar, e haviam poucas informações circulando a respeito de temas referentes a cultura jovem em geral. Censura e perseguições políticas eram termos comuns para qualquer um. Mesmo assim muitos garotos acabaram abraçando o rock mais radical da época, especialmente o hard e glam setentista de bandas como Black Sabbath, MC5, Iggy and The Stooges, Sweet, Dust, Pink Fairies, Kiss, entre outras. A mudança definitiva veio quando uma publicação jovem, a Revista POP, começou a publicar reportagens sobre a emergente cena punk de Londres em 1976. Uma parcela dos leitores antes fissurados nos velhos ícones do passado, viram uma luz no fim do túnel, ou seja, um novo estilo a seguir. Um ano depois a revista lança um LP coletânea chamado "A Revista POP apresenta o Punk Rock" (POP Magazine Presents the Punk Rock"), com Ramones, Sex Pistols, The Jam, London, Eddie and the Hot Rods, Ultravox, Stinky Toys, Runaways, etc.

Foi ai que tudo realmente começou. Pode-se dizer que muitos dos caras que ouviram esse LP seriam futuramente responsáveis por montar as primeiras bandas de punk rock e hardcore no Brasil.

Entre 1977 e 1978 um punhado de gangues punks já'circulavam pela Grande São Paulo, e formam a base do que estaria por vir. ??As primeiras informações do exterior começam a pipocar graças a Wop Bop, pioneira loja de discos, e que impulsionou o interesse desses jovens punks importando os lançamentos mais recentes. Além disso haviam os bailes em salões de rock, que movimentavam essas gangues e simpatizantes.

Após a influência inicial do punk rock inglês, os punks paulistanos pularam direto para bandas mais obscuras como Suicide Commandos, Speedtwins, Drones, Ratsia, F-Word, etc. Havia realmente um gosto pela obscuridade e pela luta que era descolar esses discos.

Em 1978 surgem as primeiras bandas: Restos de Nada, AI-5, Condutores de Cadaver e um pouco mais tarde o Cólera. Os shows rolavam em escolas, praças, salões de rock, e no que mais pintasse. ??Em 1980 a cena já tinha mudado. Foi quando o DJ Kid Vinil, um colecionador de discos e entusiasta do punk rock mundial, começou uma serie de programas de radio sobre punk e new wave. Com sua facilidade em viajar para o exterior e os contatos que alguns brasileiros também mantinham, houve uma abertura muito grande para o punk nacional.

É importante dizer que os punks paulistanos estavam em perfeita sintonia com o que rolava pelo mundo. Albums como "Damaged" (Black Flag), "Group Sex" (Circle Jerks), GI (Germs) ou os primeiros EPs do Discharge foram degustados aqui poucas semanas depois de serem lançados nos EUA ou Europa.

O Hardcore chega e influencia definitivamente a cena nacional. O Brasil inicia ai uma bem sucedida rede de informações com a Europa (principalmente com a Finlândia, Alemanha e Scandinavia), alem dos EUA e outros paises.

Fabio R. Sampaio, então vocalista do Olho Seco, foi outra figura importante tanto com a loja Punk Rock Discos (que também se tornaria um selo) como aglutinador de todas as bandas e pessoas envolvidas na época.

Muitas bandas surgem entre 1980-81: Lixomania, Ulster, Ratos de Porão, Suburbanos, Hino Mortal, M-19, Fogo Cruzado, Inocentes, Guerrilha Urbana, Juízo Final, etc.

Essa geração estava ligada aos shows itinerantes chamados Grito Suburbanos. Foi ai que Fabio teve a idéia de lançar uma coletânea, agrupando Cólera, Inocentes e sua banda, o Olho Seco. Esse LP, um álbum pioneiro e corajoso, e' considerado ate' hoje o disco mais importante da cena brasileira, pois abriu portas para shows, fascines, exposições, etc. É realmente o marco zero.

1982 foi um grande ano para o punk no Brasil, pois foi quando se sucedeu um enorme festival em São Paulo chamado "O Começo do Fim do Mundo" (The Beginning of the End of the World), que reuniu quase 20 bandas, 3000 punks e foi interrompido pela policia no segundo dia de shows, que invadiu e causou um quebra-quebra com os punks. Esse festival foi o ponto alto dessa geração.

Depois do festival, a cena deu uma esfriada geral, pois a violência entre as gangues era forte e poucos shows aconteciam. Mesmo assim, discos importantes saíram nesse meio tempo: a coletânea SUB e os compactos do Lixomania, Inocentes e Olho Seco.

Entre 1983-84 surgem bandas como o Lobotomia, Armagedom, Estagio Zero, Ruídos Absurdos, Brigada do Ódio, entre outras. A Punk Rock Discos vira New Face Records. Surge a Ataque Frontal Discos.

Esses dois selos ficariam responsáveis por lançarem a maioria dos discos da segunda metade dos anos 80. Exemplos disso são o LP do Lobotomia (lançado pela New Face em parceria com a banda) e os albums do Cólera,pela Ataque Frontal.

Em 1984 é lançado “Crucificados pelo Sistema”, álbum de estréia do Ratos de Porão, e o primeiro disco de hardcore da América Latina.

Nessa época a maioria das bandas pioneiras acabam ou tomam rumos diferentes entre si. O RDP cai nas graças do crossover gringo, se aproxima do Sepultura e migra para a cena metal brasileira. Inocentes acaba e volta com uma nova formação e sonoridade próxima ao pós-punk e o rock nacional,. Além deles, seguem o Cólera, Olho Seco e Garotos Podres, encarando novas fases.

Entre 1986 e 1990, a cena punk já estava espalhada por todo o país de norte a sul, concentrando-se principalmente no intercambio através de cartas, trocas de fitas K7 e zines. Isso realmente sustentou a cena por anos a fio, pois os shows eram raros. Era uma época difícil e conturbada.

Mesmo assim, ótimas bandas surgem nesse período: Republika, Necrópole, Skarnio, Pupilas Dilatadas, Ação Direta, Psychic Possessor, Atack Epileptico, entre muitos outros.

Chega a década de 90 e uma nova cena se forma. O thrash metal e o rock alternativo estavam no ápice, o que atraiu o interesse de muita gente por música underground e desencadeou um interesse posterior pelo punk/hardcore também.

O Ratos de Porão, experiente em lidar com todos os altos e baixos, começa suas primeiras tours à Europa, tocando em squats, youth centers, clubes e festivais.

Assim como o Cólera fez na heróica European Tour` 87, o RDP se firma como nome de ponta e passa a fazer esse circuito anualmente.

A cena segue timidamente no início dos 90. Bandas como No Violence, Safari Hamburguers, Personal Choice, Abuso Sonoro, Rot, e muitas outras seguram os alicerces do hardcore brasileiro e pavimentam um novo caminho.

Por volta de 1995 a cena começou a tomar a cara que tem hoje. Surgem muitos selos, fanzines, festivais e os shows passam a serem freqüentes, atraindo públicos segmentados ou não. A partir dessa data, inúmeras bandas internacionais começam também a excursionar por aqui, mantendo fielmente o intercambio iniciado lá no comecinho dos anos 80.

 

Hoje a cena punk/hardcore no Brasil passa por uma de suas melhores fases, com shows e festivais acontecendo simultaneamente em diversas regiões.

A diversidade de estilos e a extensão geográfica do pais continua gerando muitas e muitas bandas e praticamente cada região do Brasil tem uma cena local. Exemplos de excelentes novas bandas: Facada, O Inimigo, Besta Fera, Possuído pelo Cão, BUSH, Arma Laranja, Naifa, etc.
Graças aos inúmeros esforços de todos os participantes dessa cena, o Brasil continua sendo uma referencia impar no hardcore mundial, com suas características e musicalidade sempre revistas e renovadas ano a ano.