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Entrevista: Boka (Ratos de Porão)
por Rafael Karasu
(rafael@karasukiller.com)
Foto: Mateus Mondini
publicada originalmente na DOLL (Japão) Nº244
11/07

RATOS DE PORÃO

Apresentem aos japoneses quem são os Ratos de Porão hoje em dia.
O Ratos de Porão hoje é: Gordo no vocal, Jão na guitarra, Juninho no baixo e eu, Boka, na bateria.

O que motiva vocês a prosseguir por mais de duas décadas?
A música e a banda foi o que fizemos durante a maior parte de nossas vidas, sendo assim isto realmente é uma parte muito forte de nossa identidade. Gostamos muito de tocar e temos muita fixação pelo hardcore, o thrash e o underground. Gostamos de viajar, temos uma boa amizade e isso não nos deixa perder o interesse de continuar tocando juntos como o Ratos de Porão, mas acho que o principal é o amor pela música que gostamos e fazemos.

O que o punk/ hardcore significa em suas vidas? O Ratos de Porão pode ser considerado um grupo punk/hardcore tanto na sonoridade como na postura?
Todos têm sua própria visão do que é punk ou não. Muitas vertentes de sonoridade, atitude e idéias estão presentes no que é chamado de punk, muita gente considera que exista uma maneira correta de ser punk ou coisa do tipo. Eu gosto do D.I.Y., gosto de ter minhas conclusões sobre tudo que está em minha volta, ser independente no sentido de poder dar o rumo que quiser da própria vida, ou a banda, música etc... é o mais importante. Em termos de sonoridade somos uma banda que a muitos anos une o hardcore ao metal e é assim que queremos soar. Sendo assim eu diria que somos uma banda de hardcore metal e que nossas letras retratam situações do cotidiano e injustiça social, privilégio de classes dominantes e a batalha de pessoas simples para superar seus problemas.

Assisti um documentário sobre o movimento punk brasileiro, em uma determinada cena o João Gordo e um amigo estavam carregando amplificadores enormes para algum lugar que iria acontecer um show. Como é relembrar das dificuldades do começo da banda?
Bem, antes tudo aqui era muito diferente, mas acredito que no mundo inteiro isso aconteceu. O lance é que em países do Terceiro Mundo com uma economia menos favorecida e grande desigualdade social, arrumar instrumentos para montar uma banda, organizar um show ou fazer um disco é muito mais difícil que em um país em que a situação econômica favorece o acesso a tudo. As dificuldades ainda persistem, porém em intensidade e situações distintas das quais vivemos no passado.

Qual a diferença entre o hardcore quando vocês começaram e o que ele é hoje em dia?
Acho que hoje tudo é mais fácil e rola muito mais coisa, o que acredito que seja positivo. No passado você precisava fazer contatos por carta, tudo demorava muito e hoje estamos apenas a um “click” de qualquer coisa. Era muito difícil ter em mãos um disco ou saber o que estava acontecendo em outras cenas como Europa e EUA, os meios para movimentar as cenas locais eram escasso. Hoje é tudo mais rápido porém se o que você fizer for sincero, pouco importa se isso acontece hoje ou aconteceu há 20 anos. Não sou nem nostálgico ou recalcado, pra mim hoje é tudo muito legal considerando o cenário underground etc... Muitas pessoas alegam que exista a indústria, a mídia e coisas assim que deturpam muito o foco do punk de modo geral, mas isso ocorre desde 1977, só que em uma conjuntura diferente da que vemos hoje. Essa questão é complexa e são vários pontos à analisar, poderia ficar um dia inteiro falando sobre isso.

Qual é a opinião de vocês sobre a cena punk/hardcore de São Paulo e do Brasil em geral?
Está fervilhando, há muitos shows, bandas e gente fazendo coisas em todo lado. Às vezes tem menos pessoas envolvidas, mas acho que esse ciclo existe em todos os lugares, o que importa é que o hardcore está vivo e muita coisa ainda está por vir. Realmente eu gosto muito do que está rolando aqui no Brasil ultimamente.

Em que outros projetos os membros do Ratos de Porão estão envolvidos?
Eu toco no I Shot Cyrus e também já fiz duas tours com o Vitamin X (Holanda), inclusive uma delas aí no Japão. Também tenho um selo e distro, a Pecúlio Discos, desde 1997. O Jão toca no Periferia S.A., o Juninho no Discarga, O Inimigo, Eu Serei A Hiena e também ajuda a organizar a Verdurada, que é um dos maiores festivais de hardcore em São Paulo. Já o Gordo tem um trabalho na MTV brasileira há mais de 10 anos, onde ele basicamente entrevista diversas personalidades ou faz coisas mais loucas, como neste último “Gordo Freak Show” que acho que ficou no ar durante dois anos... um programa somente com bizarrices e bandas tocando.

Quantas turnês européias o Ratos de Porão já fez e em quais países a banda já tocou?
Eu já até perdi as contas, mas na Europa já tocamos em quase tudo: Espanha, Portugal, Itália, França, Bélgica, Holanda, Reino Unido, Croácia, Hungria, República Tcheca, Eslovênia, Polônia, Dinamarca e acho que ainda outros. Também já fizemos shows nos EUA e em vários países da América do Sul como Argentina, Uruguai, Peru, Equador e Chile.

Como é crescer e amadurecer no hardcore? Pergunto isso porque acredito que quando vocês começaram a tocar em bandas, jamais pensaram que isso seria levado por toda a vida.
Às vezes quando olho para trás não acredito que tenha passado tanto tempo. Tenho 36 anos e estou envolvido com hardcore fazem 21 anos. Acho que é uma experiência muito gratificante e louca, afinal estamos sempre viajando, conhecendo pessoas novas, obtendo nossas próprias conclusões de como funciona a sociedade e de como nos colocamos perante e dentro dela. Sem dúvida se eu não tivesse me envolvido com o hardcore, seria uma pessoa muito diferente do que sou e pra ser sincero eu gosto muito de tudo isso, se precisasse voltar atrás eu faria tudo de novo. Também não me vejo longe disso, à curto prazo, às vezes me entristece um pouco quando as pessoas desaparecem, viram a página e conseguem conviver consigo como se isso fosse apenas uma parte de sua juventude e que hoje não significa nada. Acho que tudo bem se você mudou sua maneira de pensar e começa a se interessar por outras coisas, porém não acredito que consiga tomar esse rumo algum dia.

Qual visão que vocês têm sobre viver de música e no que o punk/hardcore contribuiu com isso?
Não vejo nada de errado em você fazer o que gosta realmente e ainda conseguir retorno financeiro com isso, porém no underground isso é impossível. Para viver de música você ou precisa ser um músico profissional que seja constantemente contratado por estúdios, gravadoras e artistas, dar aula de um instrumento e coisas assim ou tocar em uma banda pop que arrebenta de vender discos e toca mais de 100 shows por ano. Outra coisa é você ter uma banda como o Ratos de Porão que tem vários custos para mantê-la viva e também muito tempo de dedicação de seus membros para poder seguir em frente. Sendo assim, é óbvio que estamos sempre precisando de dinheiro para pagar nossas despesas, mas conseguir viver exclusivamente da banda é muito difícil. Eu até tento, mas muitas vezes preciso achar outros meios de conseguir dinheiro, acredito que é assim com todos em bandas underground. Mas, afinal de contas, quem não gostaria de precisar somente tocar um instrumento a vida inteira?

O que os membros da banda ouvem atualmente?
Não tenho como perguntar isso para os outros agora, mas todos temos a cabeça aberta para a música. Sei que o Gordo gosta muito de grindcore, crossover e rock dos anos 70, o Jão de punk 77, hardcore americano, thrash metal e rock dos anos 70 também. O Juninho gosta de bandas oldschool e punks americana, música extrema, coisas de Washington D.C., soul, funk e jazz. E eu gosto muita da última fase do hardcore americano, que está muito produtiva ultimamente, muitas bandas de thrash metal e crossover dos anos 80 e das atuais também, mesmo assim sou fanático por jazz be-bop e hard bop. Já no que diz respeito ao hardcore japonês curto muito as coisas que conheci há mais de 15 anos, como Lipcream, Outo, Gauze, Rose Rose, Casbah e também as que são um pouco mais atuais que conheci enquanto estive no Japão com o Vitamin X, como Freaks, Gammy, Crucial Section e Total Fury.

O CD “Homem Inimigo do Homem” foi o último trabalho do Ratos de Porão e ele foi lançado pela Deckdisc no Brasil e Alternative Tentacles nos EUA. Como foi a produção dele e vocês ficaram satisfeitos com o resultado?
Gravávamos este disco de maneira analógica em gravador 2´ e mixamos em um ótimo estúdio com nosso amigo de longa data Daniel “Ganjaman”. Quem gravou tudo foi o Bernardo Pacheco, um jovem produtor que está se destacando aqui ultimamente. O resultado foi excelente pra nós, muito peso e sujeira o que combinou com o som que fizemos.

De 2003 para cá está surgindo uma nova safra de bandas punk/hardcore no Brasil. Como vocês enxergam essa renovação? Quais vocês consideram os destaques?
Muitas bandas surgem o tempo todo, não somente no Brasil, como em toda parte, acho que àquilo que comentei na pergunta sobre as facilidades que temos hoje em dia; isso favorece o surgimento de tantas bandas assim. Eu posso destacar bandas como Alarme, Ex-Inferis, La Revancha, Bandanos, B.U.S.H. e muitas outras. Se ficar pensando posso dizer mais uns 30 nomes agora, todas muito boas. Isso é demais, sangue novo e também muita gente das antigas formando bandas novas. Toda vez que rola um show tem muita coisa boa pra curtir.

O que vocês seriam caso não existisse o punk/hardcore em suas vidas?
Eu não faço a mínima idéia, acho que estaria voltado ao esporte. Sou um cara muito ativo, gosto de nadar, surfar, correr...

Recebemos notícias de que no Brasil há cada vez mais desemprego, corrupção e violência. Que futuro você vê para o país?
O que acontece no Brasil é o que acontece globalmente de forma geral, ou seja, cada vez mais riqueza concentrada nas mãos de poucos. Eu vejo que esses problemas não são técnicos ou falta de competência, desonestidade ou outras razões que a maioria acredita e que são colocadas pelos políticos e pela mídia maiorista todos os dias no noticiário. Esses problemas de desigualdade são resultado de conflito de interesses que é a base do capitalismo, somente uma transformação profunda da sociedade em todos os níveis poderá contemplar os interesses de todas as pessoas de forma igualitária. Assim que eu vejo que falar de problemas do Brasil é uma análise um pouco vulgar e bastante incompleta da nossa realidade, não existe hoje na atual conjuntura e acho que há muitos anos esta possibilidade é nula, de transformar a realidade somente de um território ou país, o capitalismo é global, sendo assim as injustiças também serão.

O primeiro álbum da banda, “Crucificados Pelo Sistema”, foi lançado no Japão pela Speed State Records, e hoje é muito difícil encontrá-lo. Vocês gostariam de ter outros lançamentos de vocês por aqui?
Eu acho que alguns discos chegam no Japão através da Alternative Tentacles. O lance da Speed State é diferente, é um selo focado em fazer re-edições de clássicos e não de deixar um disco em catálogo sempre. Sem dúvida seria muito bom para nós ter nossos discos por aí, assim ficaria mais fácil das pessoas conhecerem o que fazemos hoje em dia.

Você esteve com o Vitamin X no Japão em novembro de 2005. O que você conheceu aqui? Conte para os leitores qual foi a visão que você teve do país.
Cara, a minha trip com o Vitamin X foi muito irada, eu não poderia recusar de o convite para tocar no Japão de maneira nenhuma. Eu tive tempo de fazer os roles em Tóquio, Osaka, Hiroshima etc. Eu até encontrei amigos daqui do Brasil que eu jamais imaginaria que estivessem no Japão. Os shows foram todos legais, muitas bandas boas dividiram o palco com a gente e conhecer muitas pessoas e a oportunidade de ver de perto como funcionam as coisas em um lugar completamente diferente de onde eu vivo foi muito bom. Comprei muitos discos e foi tudo realmente demais. A receptividade de todo o pessoal foi incrível e também notei que muita gente no Japão é familiarizada com o Ratos de Porão.

Muitas bandas brasileiras querem tocar no Japão, qual a possibilidade do Ratos de Porão fazer uma turnê por aqui?
Nosso foco atual em termos de tours fora do Brasil está um pouco voltado aos lugares em que nunca tocamos antes e o Japão é um deles. Acho que é um desejo de todos conseguir um dia fazer alguns shows por aí, afinal o Japão tem excelentes bandas e shows muito loucos. É um choque cultural tremendo para os sul-americanos, uma experiência de vida incrível.

O que vocês conhecem sobre a cena hardcore japonesa? Que bandas japonesas vocês mais gostam e o que impressiona nelas?
O que me impressiona nelas é a qualidade dos músicos e também a quantidade de bandas boas que existe aí. Eu lembro que na ocasião da tour do Vitamin X toda noite bandas incríveis tocavam, sem contar que é o paraíso para quem gosta de disco, há excelentes lojas e que se acha muita coisa boa. Eu conheço uma infinidade de bandas e selos, já citem em outra pergunta, Death Side, Gauze, Rose Rose, S.O.B., e mais atuais como Razors Edge, Vivisick, Freaks, grandes bandas. Com certeza o hardcore japonês é emblemático, tem muita história e é cultuado e respeitado no mundo inteiro.

Que mensagem vocês têm a passar para os leitores japoneses da Doll e os fãs do Ratos de Porão por aqui?
Gostaríamos de um dia tocar para vocês e agradecemos de antemão toda a admiração e respeito que o pessoal tem com o Ratos de Porão. Desejo que o hardcore japonês continue selvagem, insano e inspirador como sempre foi. Força e sigamos em frente!

Contatos:
www.myspace.com/ratos