home bio releases bands distro how to order contact zine tours f.a.q. links interviews / entrevistas reviews / resenhas

Entrevista: Gepeto (Ação Direta)
por Rafael Karasu (rafael@karasukiller.com)
publicada originalmente na DOLL (Japão) Nº240
29.07.07

Nos fale um pouco sobre os primeiros dias do Ação Direta. Como tudo aconteceu até o lançamento do primeiro trabalho?
Iniciamos os trabalhos da banda em Outubro de 1987. Na época o foco era o Punk Rock e Hardcore. Passamos um tempo nos dedicando aos ensaios e recrutando músicos até iniciarmos a formação como um quarteto. Assim fizemos nossa estréia em fevereiro de 1988 em São Paulo, capital. Após esta apresentação sofremos alterações na formação que passou a ser um power trio. Eu fiquei com a guitarra e voz, o Deni com o baixo e voz e o Panda na bateria. Essa formação se fixou por um bom tempo e isso nos permitiu trabalhar o repertório e nos apresentarmos em diversos shows e participações festivais por várias cidades. Em 1989 entramos em estúdio para a gravação da nossa primeira fita demo chamada “TEMOS QUE AGIR”. Ela marca a nossa estréia em estúdio. Em 1990,o Deni deixou a banda e recrutamos o Marcus "Pancho" para o baixo e também um guitarrista chamado Marcelo, ficando eu apenas com os vocais. Com a nova formação entramos em estúdio e gravamos 16 músicas que foram lançadas no nosso primeiro LP, “RESISTIREI” em 1991. Com o lançamento a banda teve a oportunidade de fazer uma grande tour por várias cidades da Grande São Paulo, além de shows históricos em outros estados como o Rio De Janeiro e o Paraná. O álbum recebeu excelentes resenhas em fanzines e revistas do Brasil e do exterior e é exatamente este material que chega agora a vocês pela KARASU KILLER. 

Quais são as maiores influências de vocês?
Hoje a banda está iniciando as comemorações pelos 20 anos ininterruptos de estrada e durante todo este período sofremos diversas influências, mas creio que o nosso estilo sempre se manteve entre o Hardcore e o Metal com influências de Punk e Crust. É assim até os dias de hoje. 

Como era a cena Punk/Hardcore no Brasil na década de 80? Como foi a participação do Ação Direta?
Os anos 80 foram muito ricos para a cena brasileira, mas existia um grande problema que era o conflito gerado pelas diversas gangues existentes. Durante muitos anos sofremos muito com essa violência que afetava todas as regiões da Grande São Paulo e que se tornaram perigosas e insuportáveis afastando o público dos shows, fechando praticamente vários espaços para se tocar e criando um grande sentimento de discriminação da mídia e da sociedade para com os Punks, Hardcores e Headbangers da época.
Musicalmente assistimos o surgimento de excelentes bandas como ULSTER, RATOS DE PORÃO, CÓLERA, OLHO SECO, HINO MORTAL, LOBOTOMIA, ARMAGEDOM, PSYCHIC POSSESSOR e também a explosão do Thrash Metal de bandas como SEPULTURA, DORSAL ATLÂNTICA, KORZUS, NECROMANCIA e muitas outras que deixaram os seus nomes na história.
 

Como vocês vêem a atual cena brasileira? Quais bandas vocês costumam ouvir da cena hoje em dia?
Muitas coisas mudaram na cena brasileira após essa fase dos anos 80!!! Com o tempo as gangues foram se dissolvendo e foi surgindo uma nova geração muito mais ligada ao ativismo e a produção independente, o que foi muito positivo e acabou juntando pessoas e bandas de diversos lugares diferentes. Surgiu também uma nova geração de mídia especializada, muito alavancada pela internet e pelo surgimento de diversos selos independentes que incorporaram o espírito do Do It Yourself. Surgiram grandes bandas no cenário, principalmente a partir dos anos 90, como GARAGE FUZZ, AGROTÓXICO, SOCIALCHAOS, SAFARI HAMBURGUERS, ROT, KRISIUN, TORTURE SQUAD, SOCIEDADE ARMADA, PAURA e muitas outras. Hoje temos um cenário mais organizado, mais unido e também alguns espaços para shows que foram fundamentais para o fortalecimento da cena, como o HANGAR 110, em São Paulo, e alguns sites e fanzines de forte circulação. Além de diversos selos independentes que trabalham em parceria com as bandas criando todo um processo de distribuição de material de uma forma 100% alternativa. 

E a atual fase do underground brasileiro, o que tem de bom e o que tem de ruim. Há um apoio?
Sempre tivemos uma forte quantidade de bandas atuando e criando com muita qualidade. Apesar disso nosso país vive numa eterna crise financeira que torna todo tipo de planejamento para as bandas mais difícil, falta dinheiro para bons equipamentos e para a realização de shows, pois nosso país é gigante territorialmente. Não existe apoio de mídia, como TV por exemplo que só abre espaços para músicas criadas pela indústria para vender e músicas populares de um teor musical e lírico muito pobre e de mau gosto, como o pagode,o axé, a lambada, sertanejo e outros feitos para o povo consumir. Hoje contamos apenas com toda a rede independente que age e trabalha pela música rock e isso nos limita e dificulta muito as coisas, mas reconheço que vencemos muito nos últimos anos se compararmos com o final da ditadura militar no Brasil, início dos anos 80!!! 

Nos dias de hoje, quais são as maiores dificuldades para se ter uma banda no Brasil?
As principais dificuldades são para adquirir bons equipamentos, pois estes são absurdamente caros. Hoje em dia,com os avanços tecnológicos está mais fácil de se gravar CDs e divulgar pela internet, mas ainda temos um grande problema de distribuição aqui no país. A pirataria também é um problema gravíssimo que enfrentamos e isso se dá porque as pessoas não têm dinheiro para gastar com cultura e entretenimento e acabam comprando mídias baratas ou baixando álbuns completos pela internet. A realização de tours também é difícil, pois é caro viajar pelo país e não dispomos de muitos locais fixos de shows. Mas como disse anteriormente, avançamos muito nos últimos anos!!! 

Todos os membros do Ação Direta têm um outro trabalho além da banda?
Sim, temos outras atividades fora a banda. Apesar de estarmos na ativa desde 1987 nunca atingimos o sucesso comercial aqui no Brasil. Temos prestígio, respeito e reconhecimento artístico, mas todos têm atividades paralelas. O Marcão (baterista) é proprietário de um bar, o Gil (guitarrista) trabalha com telefonia, o Galo (baixista) é vendedor e eu atualmente estou desempregado, fazendo apenas os corres com material independente do meu selo/distro BOMBARDEIO. 

O Ação Direta é muito conhecido na Europa, conte-nos como foi o primeiro contato e quando e quantas vezes a banda fez turnê por lá?
Nossos contatos com o pessoal da Europa vem desde os anos 80. Nós sempre enviamos nossos discos para os fanzines, selos e rádios alternativas e sempre mantivemos contatos com a cena européia. Até o momento, já realizamos quatro tours pelo Velho Mundo. A primeira foi em 1997, onde fizemos 17 shows em países como Portugal, Espanha, Bélgica, Holanda, Suíça e Itália. Voltamos em 1999 e fizemos 27 shows, desta vez passando também pela Eslovênia, onde gravamos um CD ao vivo, Alemanha, Croácia (em plena Guerra do Kosovo) e França. Em 2001, fizemos 33 shows em 37 dias de tour chegando até o Leste Europeu e em 2004, fizemos nossa maior tour até o momento ficando 45 dias em território europeu. Nesta tour tivemos nossa entrada negada na Inglaterra e passamos por momentos de muita dificuldade sofrendo um deporte e sentindo na pele a discriminação na fronteira.  

Qual é a receptividade do público Europeu para com uma banda brasileira?
Os europeus são muito cultos e geralmente abertos a culturas diferentes. Fomos muito bem recebidos em praticamente todos os países pelos quais passamos e tocamos, e eles têm um grande respeito pela cena do Brasil e da América do Sul. Hoje temos três dos nossos álbuns editados por lá e diversos contatos e amizades. 

O “Resistirei” é um álbum clássico, o primeiro trabalho da banda que estará sendo lançado no Japão via Karasu Killer, quais são as expectativas para esse lançamento?
Estamos muito felizes e com uma expectativa muito forte, pois temos muita admiração e curiosidade pela cultura oriental e pela cena aí no Japão. Sabemos que vocês curtem muito o Punk, o Hardcore e o Metal em todas as suas vertentes e vamos trabalhar muito para que esse seja apenas o nosso primeiro lançamento por aí. Estamos iniciando agora essa parceria com a KARASU KILLER e a idéia é estendê-la a toda a discografia da banda. Queremos que os japoneses tenham acesso a tudo que foi lançado pela AÇÃO DIRETA nesses 20 anos de estrada, mostrando todo o nosso trabalho, a evolução natural e também nossos serviços prestados à cena e à causa. Esperamos que todos curtam bastante esse primeiro lançamento nosso aí no Japão e aguardem que vem muito mais pela frente!!! 

As letras do Ação Direta falam muito dos problemas sociais do Brasil, a ganância pelo poder, a corrupção, miséria, pobreza e a fome. Há 20 anos você escreveu isso, na sua opinião mudou algo? Qual a real situação do Brasil nos dias de hoje? 
Infelizmente a maioria de nossas letras continua sendo atual. Nosso país enfrenta muitos problemas sociais e temos uma péssima distribuição de rendas que beira o absurdo. Temos problemas em setores cruciais como a educação, emprego e saúde e estamos vivendo tempos difíceis onde existe um aumento drástico da violência urbana e da criminalidade. Infelizmente todos os dias somos bombardeados com notícias de corrupção no poder, desvio de dinheiro público, lavagem de dinheiro do tráfico de drogas e armas e com constantes injustiças sociais e impunidades. Outro problema gravíssimo é a questão do meio ambiente, onde estamos sofrendo todos os tipos de agressões às nossas florestas, rios e animais e já estamos sentindo no dia-a-dia os efeitos do aquecimento global. Todas as autoridades do país se mostram incompetentes para resolver estas questões e temos visto situações de completo abandono, máfias e impunidades. 

Cada vez mais se fala da corrupção, violência e desemprego no Brasil, que futuro você vê para o país? Somos um país riquíssimo em território, em fauna, flora, minérios, terra fértil e criatividade, mas apesar disso temos sofrido desde o tempo do império até os dias atuais. Existe um grave problema cultural por aqui e uma constituição muito defasada e desrespeitada, que favorece as práticas ilícitas, corrupção etc. Não é possível enxergar uma melhora significativa a médio prazo o que é triste de se afirmar, mas é a pura realidade. Esse sentimento de descrença com as autoridades já é notável nas atitudes da sociedade, devido ao descrédito com o cumprimento das leis no país e com os constantes casos em que os criminosos de todas as espécies acabam impunes criando situações de revolta e descrença!!! No exato momento, estamos em minoria e a sociedade e as pessoas de bem do país se questionam se “estamos perdendo essa guerra?”. 

Como você gostaria que fosse o Brasil? 
Acima de tudo um país mais justo!!! Com mais paz e mais oportunidades para todos. Um país onde a distribuição de rendas fosse mais igual e o acesso aos estudos, cultura, saúde e ao mercado de trabalho fossem para a maioria. Um país sem corrupção, onde os políticos trabalhassem pela nação, pela sociedade. Sem crianças exploradas sexualmente, pelo tráfico de drogas ou abandonadas sem lar e estrutura. Sem favelas e miséria. Com projetos de habitação sérios e educação escolar avançada, familiar e sexual. Um país para todos!!! 

A realidade aqui é completamente diferente da do Brasil, o que você conhece do Japão? O que você admira nesse país?  
Aqui no Brasil, recebemos muitas notícias aí do seu país e temos também muitos japoneses e descendentes vivendo por aqui. Admiro muito toda a tradição oriental, o engajamento com o trabalho, a relação de vocês aí com o meio ambiente, todo o avanço tecnológico e principalmente a disciplina, a meditação e os conhecimentos sobre o existencialismo e o valor de cada ser humano. 

O Japão fascina muito os brasileiros, todos querem tocar nesse país, me diga qual a possibilidade da banda fazer uma turnê por aqui? 
Estamos iniciando agora uma nova fase para a banda com essa parceria com a KARASU KILLER que está nos proporcionando um contato direto aí com o público japonês. Como disse anteriormente, esse é só o início de uma nova fase, temos muita vontade de excursionar pelo Japão, mas queremos fazer isso na hora certa. O primeiro passo está sendo dado, que é disponibilizar nossos álbuns aí para o público japonês. Esperamos que as pessoas curtam e que isso venha a motivar bastante a banda e também o público todo, para que este antigo sonho possa se realizar. Posso dizer que da nossa parte aqui, vamos fazer de tudo para que isso venha a acontecer num futuro próximo. 

Esse ano o Mukeka Di Rato veio ao Japão fazer uma grande turnê, passando por vários lugares, a repercussão foi grande, pois muitos japoneses admiraram o Hardcore brasileiro. Hoje podemos dizer que temos uma boa relação entre Brasil e Japão, você gostaria de fazer essa ponte entre os dois países, com bandas japonesas indo tocar no Brasil e as brasileiras virem tocar aqui? 
A tour do Mukeka é recente, mas já podemos avaliar o quão positiva foi. Creio que está dado o primeiro e grande passo para fortalecer esse intercâmbio entre os dois países. Posso afirmar que os brasileiros também têm muita curiosidade sobre a cena aí do Japão e seria muito bom ver bandas japonesas excursionando por aqui. Já tivemos o VIVISICK e o GUITAR WOLF. Creio que com o trabalho de intercâmbio entre selos e bandas dos dois países, se tornará possível uma melhor divulgação das duas cenas independentes o que tornará as coisas mais fáceis num futuro próximo. 

Que bandas japonesas você conhece? O que mais te impressiona nas bandas japonesas? 
Conheço as antigas como o LIPCREAM e o S.O.B que curto muito. Também vi o show do VIVISICK que me impressionou bastante. Tenho a discografia do DISCLOSE, que foi lançada no Brasil em dois volumes. Gosto do som caótico destas bandas que praticam o grindcore com esse jeito diferente, misturando coisas da cultura oriental. 

Que mensagem você tem a passar para os leitores japoneses? 
Para nós é uma grande honra e uma grande oportunidade poder ter nossos álbuns editados no Japão. Admiramos muito o seu país, suas tradições e sua organização. Esperamos muito poder num futuro próximo tocar aí em todas as cidades possíveis, dividir palco com as bandas que levam a cena adiante. Também mandamos um grande abraço à toda comunidade brasileira presente no Japão e contaremos com o apoio deles  também, para que possamos estar todos juntos em breve!!! Nossos sinceros agradecimentos ao grande amigo Rafa da KARASU KILLER pelo grande apoio e paciência!!! Saúde e paz a todos!!!

Contatos:
www.acaodiretabrasil.com.br
adgepeto@uol.com.br
bombardeiodistro@bol.com.br